Deus está morto” (“Gott ist tot” em alemão) é uma frase muito citada do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Aparece pela primeira vez em A gaia ciência, na seção 108 (Novas lutas), na seção 125 (O louco) e uma terceira vez na secção 343 (Sentido da nossa alegria). Uma outra instância da frase, e a principal responsável pela sua popularidade, aparece na principal obra de Nietzsche, Assim falava Zaratustra.
Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje! — NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125.
“Deus está morto” é talvez uma das frases mais mal interpretadas de toda a filosofia. Entendê-la literalmente, como se Deus pudesse estar fisicamente morto, ou como se fosse uma referência à morte de Jesus Cristo na cruz, ou ainda como uma simples declaração de ateísmo são ideias oriundas de uma análise descontextualizada da frase, que se acha profundamente enraizada na obra nietzscheana. O dito anuncia o fim dos fundamentos transcendentais da existência, de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo, tanto na civilização quanto na vida das pessoas — segundo o filósofo, mesmo que estas não o queiram admitir. Nietzsche não se coloca como o assassino de Deus, como o tom provocador pode dar a entender: o filósofo enfatiza um acontecimento cultural, e diz “fomos nós que o matamos”.
A frase não é nem uma exaltação nem uma lamentação, mas uma constatação a partir da qual Nietzsche traçará o seu projeto filosófico de superar Deus e as dicotomias assentes em preconceitos metafísicos que julgam o nosso mundo — na opinião do filósofo, o único existente — a partir de um outro mundo superior e além deste. A morte de Deus metaforiza o facto de os homens não mais serem capazes de crer numa ordenação cósmica transcendente, o que os levaria a uma rejeição dos valores absolutos e, por fim, à descrença em quaisquer valores. Isso conduziria ao niilismo, que Nietzsche considerava um sintoma de decadência associada ao facto de ainda mantermos uma “sombra”, um trono vazio, um lugar reservado ao princípio transcendente agora destruído, que não podemos voltar a ocupar. Para isso ele procurou, com o seu projecto da “transmutação dos valores”, reformular os fundamentos dos valores humanos em bases, segundo ele, mais profundas do que as crenças do cristianismo.
Segundo ele, quando o cheiro do cadáver se tornasse inegável, o relativismo, a negação de qualquer valoração, tomaria conta da cultura. Seria tarefa dos verdadeiros filósofos estabelecer novos valores em bases naturais e iminentes, evitando que isso aconteça. Assim, a morte de Deus abriria caminho para novas possibilidades humanas. Os homens, não mais procurando vislumbrar uma realidade sobrenatural, poderiam começar a reconhecer o valor deste mundo. Assumir a morte de Deus seria livrar-se dos pesados ídolos do passado e assumir sua liberdade, tornando-nos eles mesmos deuses. Esse mar aberto de possibilidades seria uma tal responsabilidade que, acreditava Nietzsche, muitos não estariam dispostos a enfrentá-lo. A maioria continuaria a necessitar de regras e de autoridades dizendo o que fazer, como julgar e como ler-o-mundo. Podemos então concluir que o próprio Nietzsche, pelo menos de maneira indireta, reconheceu o caráter utópico desse seu raciocínio.
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